#BIBLIOTECA# - "Jantar Secreto" (2016)

O sonho de muitos jovens (principalmente daqueles que vivem em cidades interioranas) é poder se mudar da casa dos pais -ou de qualquer que seja o responsável - e começar a trilhar o próprio caminho de forma independente. Uma das maneiras mais naturais de fazer (quando não se tem dinheiro para simplesmente se mudar quando bate a vontade, haha!) é ingressar em uma universidade (de preferência em um lugar longe de casa), para assim, começar a viver a tão sonhada independência (que começa pela rotina de ter que morar sozinho, ou... de ter que dividir algum tipo de moradia).

A busca por esse status de uma vida adulta autossuficiente encontra espaço no livro escrito por Raphael Montes, onde a história é baseada nas situações vivenciadas por 4 amigos (Dante, Hugo, Leitão e Miguel) que saem de uma cidade fictícia no interior do Paraná com destino ao Rio de Janeiro.

Fonte: Divulgação (Cinema de Buteco)

Tudo ia bem até que as dívidas começaram a ser acumular, mostrando ao quarteto que está cada vez mais complicado manter as contas em dias. Então, como uma alternativa para resolver o problema, eles decidem começar a oferecer jantares extremamente personalizados, cheios de requintes e controlados por algumas regras... No entanto, há uma peculiaridade nas iguarias que são servidas por eles, porque o cardápio principal é composto por carne humana!

Os clientes que decidem participar dos jantares tem que seguir algumas diretrizes - obrigações disfarçadas de regras que são impostas pelos amigos -, dentre elas (apenas para citar algumas): Nunca comentar com ninguém sobre o jantar; É proibido o uso de qualquer tipo de aparelho eletrônico; A condução fica a cargo do buffet (que tem um transporte exclusivo para o deslocamento dos clientes, que inclusive... tem que ir e voltar de olhos vendados durante todo o trajeto) e a participação à mesa é única (ou seja, nada de levar acompanhantes)... Todas essas - e demais regras foram pensadas para garantir aos clientes a pura essência da experiência, que tem por objetivo ficar guardada em suas mentes.

Montes mantém uma narrativa que alterna entre momentos bem macabros associados a momentos cômicos, fazendo um mix incomum para esse tipo de abordagem (que aliás, consegue às vezes, ser tão exagerada e surreal ao ponto de beirar o cúmulo do ridículo... porém, não soa de forma destoante se você se deixar levar pelos conteúdos prestes nas páginas), que certamente causará um certo tipo de desconforto nos leitores que não estão acostumados com tramas com teores indigestos (porque acreditem, com a evolução da história... as páginas ficam cada vez mais estranhamente apetitosas).

Cada personagem apresenta um perfil completamente diferente (e suas respectivas individualidades são bem trabalhadas em suas evoluções ao longo da trama), e talvez seja esse o motivo que mantém a amizade deles tão forte a ponto de decidirem fazer tudo o que fazem. A princípio tudo soa como um devaneio mental descontrolado, mas que ao logo da narrativa - por vezes até muito forte - tenta se justificar através de diálogos muito coloquiais e motivações que vão além do aspecto financeiro (momento em que o livro consegue gerar diversos conflitos éticos e morais, tudo envolvendo muita autocrítica de uma forma capaz até de emocionar os leitores que realmente imergirem na trama, que aliás... é deveras bem desenvolvida).

Há um pouco de tudo dentro da fórmula da escrita que resultou no livro: enigmas que precisam ser desvendados, doses alternadas de humor e suspense, um espaço para colocar a poesia em destaque (algo que é feito de uma forma crua e até chula em alguns momentos, tentando oferecer a quem lê uma experiência menos romantizada desse tipo de leitura), bem como levantar a bandeira das excentricidades regadas a aventuras que correm por fora da curva das pessoas que vivem seguindo padrões de normalidade.

"Jantar Secreto" pode ser descrito através de várias qualidades, mas eu particularmente diria que três palavras caem como uma luva para defini-lo são: viciante (pela vontade excessiva de ir consumindo página por página em um ritmo acelerado), chocante (pela história em si... principalmente pelo desfecho que põe fim a mesma) e envolvente (por conseguir fazer que o leitor se interesse pela história a ponto de comprá-la de forma tão rápida e sem fazer maiores questionamentos... pelo menos não até que as paranoias criadas pelos acontecimentos que constroem à trama comecem a vagar pela mente que lê o livro, haha).