THANOS TEM RAZÃO | Vingadores: Ultimato | Cinema & Filosofia

in #pt5 years ago

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Toda história de herói traz uma disputa entre diferentes concepções sobre qual é a coisa certa a fazer. Em Vingadores: Ultimato as coisas não são diferentes.

Assista ao vídeo abaixo e/ou leia a transcrição logo a seguir:


Transcrição do vídeo:

Se existe um ser onipotente e ele nada faz pra diminuir o sofrimento no mundo, então esse ser é mau.

Fala pessoal, Alysson aqui.

Semana passada eu finalmente assisti ao último filme da saga Vingadores, e acho que Thanos precisa ser defendido de alguma forma.

Claro, eu não vou lançar spoilers aqui também, porque não quero falar especificamente do filme. Eu quero é refletir sobre algo que me incomoda profundamente na história dos Vingadores, que é o fato de que a equipe de heróis da Marvel parece extremamente reativa com mudanças possíveis no universo.

E isso, pra quem não se lembra, é comprovado já no segundo filme da série, quando o Ultron fala que os Vingadores querem apenas proteger o mundo, mas não querem que ele mude.

Ok, a gente tem que ter em mente que se trata de um filme de super-heróis, e eles querem proteger a humanidade dos invasores externos naquele velho estilo patriota de defender o próprio território, ou então descobrir maneiras úteis de manejar conflitos internos, como no caso da treta entre o Capitão América e o Homem de Ferro lá na Guerra Civil.

Ainda assim, todo filme de herói sempre nos convida a refletir sobre o mundo real e como lidar com nossos problemas mundanos. Aliás, nenhuma novidade até aí, pois a mitologia grega, fundante direta da percepção ocidental sobre heróis, já nos traz muitas lições com as histórias de Hércules, Aquiles, Teseu, Perseu e tantos outros clássicos que nos ensinaram a refletir sobre o certo, o errado, o bom, o justo e as virtudes do caráter humano.

Ou seja, em última instância, toda história de herói é uma disputa entre diferentes concepções sobre qual é a coisa certa a fazer.

E em cada um dos filmes do Vingadores isso não é diferente.

Pra entender toda a história dos Vingadores nessa grande narrativa de interseção de heróis que a Marvel tá fazendo, vocês tem que voltar lá em 2011 e assistir ao filme "Capitão América: O Primeiro Vingador", que é ali que toda a treta começa. E vocês vão ter que ver inclusive as séries da Marvel pra pegar todo o contexto e ver como as coisas se desenvolvem até chegarem em Thanos.

Aliás, todo mundo sabe que esse não foi exatamente o último filme, que tem muita coisa pra ser contada. Conforme o site Aficionados, são pelo menos 60 filmes e séries pra passar uma vida inteira assistindo, e em todas essas histórias a mesma regra se segue: diferentes lados disputam a imposição de seus diferentes valores sobre o que é certo e o que é o errado.

Neste último filme, o objetivo dos Vingadores é simplesmente consertar o que o Thanos fez na Guerra Infinita, de aniquilar metade de todos os seres vivos do universo.

Claro, até mesmo porque qualquer pessoa com um mínimo de bom senso pára e pensa: pô, aniquilar monte de gente que se importa com a própria vida é algo para além de todos os genocídios conhecidos. Logo, Thanos é um monstro do mal que faz Hitler parecer uma garotinha de 8 anos pedindo doce, e portanto ele merece ser exterminado.

Mas aqui entra uma perguntinha capciosa...:

E SE THANOS TIVER RAZÃO?

Ok ok, eu sei que "Thanos" e "Razão" não combinam bem na mesma frase. Mas eu apenas me pergunto se, do ponto de vista do Thanos, alguém que consegue ter acesso às joias do infinito pra remodelar o universo... Será que estar em posse de tamanho poder não acaba te imputando um dever moral absoluto em fazer algo a respeito, em dar utilidade a esse poder para fins universalmente benéficos?

De fato, o que o Thanos tenta fazer é aniquilar metade dos seres vivos do universo para que a outra metade prospere. E fazendo isso ele não previu fatores como a psicologia humana, o que foi algo extremamente burro da parte dele, pois deixou monte de seres vivos — que não eram apenas humanos, claro — ressentidos com o extermínio de entes queridos, e isso acabou causando mais mal-estar do que bem-estar no universo.

Ainda assim, embora isso fugisse do roteiro, o próprio Thanos poderia ter feito de outra forma. A questão que eu coloco, então, é essa: se alguém detém tamanho poder, se alguém é DEUS, e literalmente Thanos se tornou Deus... por que "fazer nada", deixar de fazer alguma coisa com esse poder, seria um dever? Diante de tanto poder em mãos, que só dependem de um estalo de dedo, será que FAZER ALGO com isso, especificamente ALGO QUE AUMENTE A FELICIDADE GERAL, não se torna automaticamente um DEVER moral daquele que detém esse poder?

Acho que essa é a pergunta mais básica na situação do Thanos: existe um dever moral em fazer alguma coisa com as joias do infinito, ou o dever está em nada fazer?

Por exemplo, o Doutor Estranho era guardião da joia do tempo, assim como a predecessora dele... Nesse sentido, se entende que o dever estava em nada fazer, apenas preservar. Só que, na condição do Thanos, apenas preservar o status quo se impõe como dever moral ou é preciso dar um passo além, e tornar-se um Deus presente e ativo?

Vejam aqui que isso invoca diretamente a primeira frase deste vídeo: "Se existe um ser onipotente e ele nada faz pra diminuir o sofrimento no mundo, então esse ser é mau."

Essa frase remete ao problema do mal que é um clássico na filosofia medieval. Santo Agostinho, em seu livro "A Natureza do Bem", já defendia que não existe mal, mas apenas ausência de bem: ou seja, onde aquilo que nós chamamos de "mal" está localizado, na verdade trata-se de um lugar onde Deus está ausente ou foi distanciado.

Assim sendo, se Deus existe — ao menos de uma perspectiva humana já que a gente não pode saber o que seria o certo numa perspectiva divina —, então Deus e sua bondade eterna deve se "presentificar", ou seja... é meio que um dever moral que Ele faça algo a respeito pra melhorar esse mundo...

"Ah, Alysson, se Thanos deve fazer alguma coisa só porque ele tem acesso às joias do infinito, então quer dizer que os fins justificam os meios?"

Bom, a finalidade do Thanos todo mundo já sabe. Na Guerra Infinita, ele quer reduzir os seres vivos à metade só pra "equilibrar o universo". No Ultimato, tem uma diferença de personalidade no Thanos que faz ele mudar levemente de ideia, mas como eu disse que não vou dar spoilers então vejam o filme pra entender.

O fato é que todo mundo reconhece que os fins do Thanos são péssimos, de modo que seria ridículo defender que esses fins justifiquem que ele ande por todo o universo atrás das joias do infinito pra poder consolidar seus objetivos.

Ainda assim..., sim, em alguns casos os fins PODEM justificar os meios. Eu não vou entrar em detalhes sobre isso, vou fazer um vídeo apenas pra explicar, mas imaginem o seguinte: você é escravo e tem o objetivo de se tornar livre. O meio de matar o seu carrasco, se for necessário pra sua liberdade, é algo justificado pela sua finalidade de ser livre. Ou seja, temos aqui um exemplo de fim que justifica os meios.

Mas, claro, existem fins e fins, de modo que diferentes fins têm diferentes pesos morais, se aplicando contextualmente. O fim do Thanos de aniquilar metade do Universo estaria entre o grupo de fins péssimos que dificilmente justificariam quaisquer meios. Ainda assim, se Thanos não soube desejar o fim certo, ele ao menos tem razão numa coisa: se é possível melhorar o mundo, é nosso dever fazê-lo.

Então OK, vamos assumir que isso é verdade: se é possível fazer algo para o bem, esse algo DEVE ser feito.

A questão então é saber o que é esse ALGO e o que é o BEM ÚLTIMO E SUPREMO que deve ser almejado.

Uma vez que o ALGO se justifica em função do BEM, e diante do fato de que temos muitas discordâncias sobre o que é a coisa certa a fazer, qual é o bem último...

Então nós podemos defender a atuação de Thanos em três níveis:

O primeiro é o do reconhecimento do fato:

Thanos sabe que é possível mudar o mundo a partir das joias do infinito, de modo que basta reuni-las e usá-las. Logo, Thanos reconhece que existe algum dever em reunir essas joias para melhorar o mundo, e ele fará o possível pra chegar lá.

O segundo nível é o da sabedoria:

Thanos é um mero ser vivo que não consegue saber de tudo, de modo que seu conhecimento sobre as coisas é limitado, ainda que ele seja um cara fortão que humilhou o Hulk. Logo, depois de reunir as joias, Thanos precisa saber o que fazer com elas, e essa sabedoria precisa ser extraída de algum lugar.

O terceiro e último nível é o da efetivação da coisa certa a fazer:

Aqui, Thanos já têm as joias e já sabe o que deve ser feito, basta então estalar os dedos e mudar a realidade para melhor.

Ok, essas três etapas são procedimentais, são meios pra atingir um fim, que é a finalidade de fazer a coisa certa. Esse tipo de procedimento nos lembra bastante a Ética das Virtudes de Aristóteles, que estabelecia que o jeito de atingir a eudaimonia ou a felicidade era por meio da prática de hábitos, e esses hábitos seriam processos pelos quais a felicidade poderia ser alcançada. Da mesma forma, qualquer preocupação com um saldo de consequências positivas no final desse processo nos lembra bastante o utilitarismo, onde a maximização do bem-estar universal é algo que deve ser atingido. Por outro lado, nos lembra também a deontologia kantiana, onde por meio de um imperativo categórico nós poderíamos reconhecer deveres para agir, e se podemos universalizar o dever de fazer o bem quando ele pode ser feito, teríamos então o dever de melhorar o universo se isto for possível. Claro, tudo isso faz sentido se forem tomadas as devidas proporções de acordo com cada corrente moral...

De toda forma, pra que Thanos se torne o verdadeiro herói, portanto, ele precisa seguir essas etapas à risca: 1) conseguir as joias, 2) descobrir o que deve ser feito com elas e 3) finalmente fazer acontecer.

E o interessante é que, nesse mundo hipotético onde existem joias do infinito, as leis da natureza não são barreiras pra mudança da realidade.

Ou seja, se Thanos tava preocupado com a escassez de recursos, não é como se acabar com metade dos seres vivos fosse a melhor decisão... Ele poderia simplesmente duplicar os recursos, pois as leis da física não seriam limitadores pra essa decisão — e esse é um dos motivos que tornam o objetivo do Thanos numa péssima finalidade diante das opções disponíveis.

Logo, se formos pensar em termos realistas e sensatos, depois de toda sua jornada épica pra adquirir as joias, o que o Thanos poderia fazer era usar a joia da mente e da realidade combinadas pra manipular sua capacidade cerebral e dar a ela o poder de entender todos os fatores em disputa que sejam moralmente relevantes pra considerar na hora de fazer a decisão certa. Assim, ele pode com uma primeira estalada de dedos dar capacidade a si mesmo de saber qual é a coisa certa a fazer, qual é o bem último e supremo do ponto de vista do Universo.

Depois dessa primeira estalada, a gente pode assumir que Thanos estaria com o corpo todo quebrado, de modo que uma próxima estalada de dedos pudesse matá-lo. Ainda assim, um ser com uma sabedoria infinita sobre qual a coisa certa a fazer, sentiria o peso moral absoluto desse conhecimento e, por fim, daria o último passo pra consolidar aquilo que ele já sabe, e em nome do bem último no universo ele estaria esse dedo e sacrificaria a própria vida em nome do bem maior. Seria o mártir perfeito para ser louvado pelos quatro cantos do Universo.

O legal é que... De alguma forma, tudo isso seria a coisa racional a fazer com tanto poder, e se os diretores dos Vingadores tentassem essa abordagem realista, ainda assim nós veríamos os heróis da Marvel fazendo tudo o que eles podem pra IMPEDIR um Deus onipotente e onisciente, o próprio Thanos, de fazer a coisa certa.

Isso porque, como Ultron bem disse, os Vingadores não querem mudar o mundo, eles só querem preservar as coisas como elas são.

Eu não sei vocês mas ao meu ver, em alguma medida, o Thanos é o herói derrotado dessa história.


Bom pessoal, essa é a provocação que eu trago pra vocês que adoram ver nuances em filmes de heróis, já que tudo ganha mais sentido quando a gente não vive naquela dicotomia bobinha de bem contra o mal, de nós contra eles e por aí vai. No fim das contas, os Vingadores só são os heróis porque o que eles estão fazendo segue as nossas intuições humanas mais básicas, mas se formos seguir as coisas num sentido estritamente lógico em termos éticos, acho que já deixei claro como os heróis da Marvel podem ser os reacionários da história.

Então me digam aí nos comentários o que vocês acham dessa história toda... Thanos tem razão em alguma medida? Não têm?? O que vocês pensam a respeito? Tá todo mundo aí convidado a discutir filosofia e cinema na caixa de comentários.

Enfim pessoal, se querem ajudar este pequeno produtor de conteúdo a divulgar filosofia pela internet brasileira, acessem padrim.com.br/alysson e escolham sua melhor forma de investimento.

Outras informações vocês encontram na descrição do vídeo aqui no YouTube.

Eu vou ficando por aqui, meu nome é Alysson Augusto e a gente se vê nos comentários. Forte abraço!

Sort:  

O erro do Thanos está no coletivismo. Ele valoriza a felicidade coletiva e ignora completamente o fato de que para o indivíduo a coisa mais importante para ele é a sua busca da felicidade. Sacrificar o indivíduo pelo coletivo foi, é, e sempre será o maior erro moral da humanidade.

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