A fauna de sexta feira à noite # In: O mapa de autoestrada

in #pt5 years ago (edited)

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Foto source: > Pagina de facebook de Barreirinha Bar Café

Nos últimos minutos da minha noite social fiquei confinada a um Ser de tez torrada por muito sol e muito mar e o espírito também manifestamente torrado por substâncias diversas, com o copo vertiginosamente inclinado na mão e a pélvis excessivamente próxima da minha, que mastigava com alguma dificuldade mas bastante generosidade, a sua melhor versão de sedução:
“Mmm.. pah, tu tens alguém…?” (um olho oblíquo e vagamente lupino procurava desesperadamente concentrar-se numa réstia de lucidez que escapava à velocidade da luz- ou na verdade, da falta dela- já que o outro tinha adormecido há duas cervejas atrás).
Todas as sextas feiras, é aqui e noutros lugares em voga concentrados na zona velha da cidade, que vem desaguar depois do sol posto, a horda dos desvalidos emocionais urbanos.
Segundo a disposição tradicional, perto da porta e estrategicamente ainda mais perto do balcão do bar, paredes-meias com os intelectuais de ego quebradiço assentam arraiais os artistas incompreendidos, que são os primeiros a embebedar-se.
Na área central do recinto, polulam os revolucionários apocalípticos e as personalidades trendy do momento. Costumam disputar ruidosamente o protagonismo da noite, mas hoje quem resgata a atenção é uma adolescente a quem chamam Bibi, de risada nervosa e a tiritar de frio no alto das pernas estupidamente longas em meias de renda que terminam numas botas de estilo militar. Usa uma espécie de cinto largo que separa precáriamente o baixo-ventre das coxas esqueléticas e uma t-shirt que assentaria perfeitamente a uma criança de oito anos e tem um ar tão infantil com as suas pulseiras e a micro-malinha de anime japonês, que tive vontade de abordá-la para verificar se tinha idade suficiente para se embriagar.
“olha, diz-me lá…tás com alguém..mm…?”- insiste o não-sei-quantos, abanando a cabeça com ar de quem está prestes a confrontar a desilusão e a esvair-se-lhe o equilíbrio.
“Na verdade não sei.” – a minha resposta saíu honesta e ensombrada pelo olhar cabisbaixo de quem acaba de descobrir uma verdade incómoda.
“Foda…sssseee... não me digas essa merda, que não posso acreditar” – tartamudeia incrédulo e já ligeiramente esperançoso.
Incentivadamente aplaudida por um grupo de adolescentes semi- borbulhentos, como se adivinhasse o meu pensamento a Bibi emborcou três shots duma penada e manteve-se de pé impávida. Isso impôs-me tal respeito que decidi imediatamente meter-me na minha própria vida e deixar aquela promessa de top model emborrachar-se em paz.
-“É que tu és tão doce…” - volveu a criatura (como se tal me protegesse de alguma decepção) agora de semblante reflexivo e a bebericar um resto de cerveja já mole.
“Enfim… é assim a vida” – respondi-lhe sem pingo de pachorra. E dito isto rematei a conversa com um golo demasiado grande, que acabou o que restava do copo de vinho e da noite inócua que pretendia salvar-me de más memórias, mas apenas serviu para avivar tudo aquilo de que queria fugir.
De relance reconheci os clientes habituais, os grupinhos do costume, os trejeitos e maneirismos de sempre. À minha volta sinto a turba a regurgitar frases dispersas e sem sentido mas que parecem encontrar inesperada compreensão num resistente rebanho ensopado em cerveja e haxixe.
Na ponta da esplanada instalou-se a filosofia ébria, à desgarrada com os metafísicos e os lunáticos. Entendem-se todos lindamente no seu diálogo errático e incongruente, cheio de metáforas e meias palavras, para as quais não me sobra disposição.
“Vou andando, até um dia destes” – despedi-me, distribuindo dois ósculos polidos na face marinheira, ou, na linguagem universal, um peremptório não-estou-para-aí-virada e virei costas mesmo a tempo de ser bafejada pelo último e suspirado “fodasssse…” - que apesar de tudo me levou para casa um pouco menos miserável.
E a verdade é que uma noite de sono com um ressono vergonhoso também fez a sua parte.

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Bom ensaio... sobre a bebedeira! :-D

Obrigada Trincowski. qualquer assunto é bom para ensaiar.... XD

Muito bom 😀 e muuuito bem escrito ;)

Obrigada Aleister. Brevemente serás visado... fica atento... :D

@isabelpereira que delícia de escrita : )

Oh, muito obrigada minha querida. São estas amabilidades que me incentivam a prosseguir.. Grande beijinho Tabatha. :D

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