O que é a Cultura? Cultura e Representações Sociais

in #pt5 years ago

O ecletismo é, nas palavras de Clifford Geertz (1989, p. 15), “uma autofrustração, não porque haja somente uma direção a percorrer com proveito, mas porque há muitas: é necessário escolher”. Nesse sentido, o enquadramento teórico apresentado assumirá uma abordagem interpretativa relativamente à cultura. Por cultura entenda-se, na metáfora de Geertz (1989, p. 15), um conjunto de “teias de significados” tecidas pelos indivíduos que vivem amarrados a elas. Ou nos termos em que Paul Rabinow (2007, p. 450) a apresenta: cultura é interpretação. E acrescenta que “os “factos” em antropologia, o material que o antropólogo procura no campo, são já por si interpretações (Rabinow, 2007, p. 451). Correspondem às interpretações que os próprios indivíduos fazem da sua “cultura”, das “teias de significado” que eles próprios constroem e segundo as quais interpretam o mundo e agem sobre ele.

Estas “teias” serão consideradas enquanto imagens construídas sobre o real, elaboradas na relação entre os indivíduos de um determinado grupo social, na acção no espaço coletivo, o espaço público, onde o grupo pode sustentar saberes sobre si próprio e sobre os outros, isto é representações sociais (Araujo, 2008, p. 100).Estas são entendidas enquanto “teorias” criadas pelos grupos para apreender e definir os dados com que se relacionam (Araujo, 2008); “fazem com que o mundo seja o que pensamos que ele é ou deve ser” (Moscovici, 1978, in Araújo, 2008, p. 117); e “contribuem para a definição de um grupo social em sua peculiaridade, interferindo na forma como os indivíduos apreendem o meio ambiente” (Araujo, 2008). No fundo são um instrumento, uma ferramenta conceptual que procura ajudar a pensar o entendimento dos indivíduos de determinados grupos sobre si próprios e sobre os outros, e como se relacionam entre si e com o meio. Procurar entender os significados que os indivíduos atribuem a essas relações. Ou seja, pensar, na medida do possível, acerca do pensamento dos outros.

Entenda-se no entanto, que “as representações sociais não são meras reproduções da realidade, pois resultam de uma lógica em que os elementos são interpretados e passam por uma reconstrução sendo-lhes atribuído um significado específico” (Araujo, 2008, p. 104). As representações são (re)formadas no sentido de familiarizar o grupo com o desconhecido com que eventualmente se confrontem (Araujo, 2008). Em função do seu entendimento sobre si próprios e o mundo que os rodeia, os indivíduos de um grupo interpretarão o que lhes é novo, e atribuir-lhe-ão significados. Assim são codificados, analisados, comparados e assimilados dados anteriormente desconhecidos, para que se tornem familiares ao grupo, ou por outras palavras, para que o grupo tenha um determinado entendimento sobre os novos dados que interpreta (Araujo, 2008). Isto implica a aceitação de uma certa dinâmica intrínseca às representações, no sentido de se atualizarem, de permitirem aos indivíduos, e aos grupos se relacionarem com novos elementos do seu meio social. Nas Palavras de Moscovici (Moscovici, 1978, in Araújo, 2008, p. 99), “as representações individual ou sociais mostram-nos que, a todo o instante, alguma coisa ausente se lhe adiciona e alguma coisa presente se modifica”. Isto por sua vez “ressalta a necessidade de se dar maior atenção aos novos elementos incorporados e às explicações referidas a eles, pois podem oferecer a possibilidade para a mudança da representação social e dar novo significado às acções dos indivíduos” (Araujo, 2008, p. 103).

Na teoria das representações sociais são identificados dois processos pelos quais os indivíduos se familiarizam com o desconhecido: a objectivação e a ancoragem (Araujo, 2008, p. 106). O primeiro, procura naturalizar e classificar, atribuindo-lhe um carácter simbólico, um determinado significado, ao que anteriormente era desconhecido (Araujo, 2008, p. 106). Num segundo processo, a ancoragem, esse desconhecido é comparado com o conhecimento anterior, e classificado hierarquicamente (Araujo, 2008, p. 107). Ou seja, todos os dados, novos e antigos, são rearranjados e assimilados numa teoria mais ou menos consensual para auxiliar na explicação das relações dos indivíduos dentro e fora do grupo (Araujo, 2008, p. 106). Posto de outra forma, as “teias de significado” são rearranjadas no acolhimento de um entendimento sobre algo que anteriormente era desconhecido ou inexistente, para que os indivíduos de um determinado grupo se relacionem entre si e com os outros.
Para Dan Sperber, a “cultura” consiste basicamente em distribuições de representações numa população humana (Quintais, 2009, p. 78). “Cultura” não no sentido de uma estrutura supra-humana, mas nos significados, nas interpretações, que os indivíduos atribuem ao que eles próprios, e os outros, fazem e dizem. Para Sperber, Segundo Luís Quintais (2009, p. 82), “uma representação envolve uma relação entre estes três termos: um objecto é uma representação de algo, para um dispositivo de processamento de informação”. Para ele a formula no seu extremo mais simplista parece passar pela sequência: input, processamento da informação, e output. As representações, para Sperber (Quintais, 2009, p. 83), passam por “processos intra-subjectivos que são puramente psicológicos, e processos intersubjectivos que tem a ver com a articulação cérbero/meio e que são parcialmente psicológicos e parcialmente ecológicos”. O interessante na teoria de Dan Sperber, é de que ele entende a interacção entre as representações mentais dos indivíduos e as representações públicas do grupo a que pertencem, e as primeiras ligadas em termos causais às segundas (Quintais, 2009, p. 84) “As representações que podemos ter dependem de faculdades cognitivas que filtram tais representações” (Quintais, 2009, p. 85). Uma dessas faculdades é a meta-representacional: a capacidade de criar representações a partir de outras (Quintais, 2009). Esta capacidade permite duvidar da veracidade de determinada representação, e seleccionar a informação que lhe parece pertinente. Certamente que as representações de determinados indivíduos terão uma validade que as de outros, pelo estatuto que este ocupa, pela natureza das suas representações, etc. E na opinião de Quintais (2009, p. 79), o que Sperber pretendia responder seria o porquê de, numa dada população, algumas representações terem mais sucesso do que outras.

Os usos do conceito de representação, enquanto um construção individual ligada causalmente a uma representação cultural ou social, que permite atribuir significado ao mundo e à interacção com este, implicam uma orientação metodológica específica. Se as representações correspondem às “teorias” que orientam as relações entre os indivíduos e o meio, e que permitem que estes lhes atribuam significados, será pelo que eles fazem e pelo que dizem, aos explicarem as suas acções e o seu entendimento sobre o mundo, que permitirá aceder, dentro do possível, a essas representações, e perscrutar o seu significado. Ou seja, pelo seu discurso, e pela sua forma de agir, procurar entender os significados que os indivíduos, e os grupos formados por eles, lhes atribuem. E se, como foi defendido, os “factos” que o antropólogo recolhe são já por si mesmos interpretações que os informantes realizam sobre a sua própria cultura, mas que são trabalhadas e comunicadas para que o investigador as entenda. Ou nos termos em que Rabinow (2007, p. 451)o coloca, o informante “deve em primeiro lugar tornar-se auto-reflexivo e auto-consciente em relação a certos aspectos da sua vida que ele anteriormente os tomava como dados adquiridos; entendendo aquilo que o antropólogo quer, o informante pensa no assunto em questão, e chega a uma conclusão, tendo agora que decidir de que forma é que a vai reorganizar para a tornar transmissível ao investigador de acordo com aquilo que é o entendimento do informante sobre a natureza do próprio investigador (Rabinow, 2007).

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