Poema: "Cântico Negro" (José Régio)

in #pt5 years ago (edited)

Sendo de humanas em muitos aspectos, eu sempre adorei poesias, poemas e diversas outras artes da escrita.

Apesar de apreciar obras de várias classes literárias a que mais me cativou foi o Simbolismo, com seus poetas tempestuosos e revoltados, principalmente Baudelaire, um dos precursores do movimento junto com o nosso, não menos importante, Cruz e Souza.

Portanto, hoje vim trazer de presente um dos poemas mais incríveis do mundo literário. Eu o conheci há muito tempo, quando um professor de literatura portuguesa o interpretou em uma aula de um curso pré-vestibular e eu me apaixonei imediatamente.

Ouso até dizer que é o poema da minha vida! Forte e intenso! Se chama Cântico Negro e seu autor é o José Régio, um poeta e escritor português.

E mesmo que a obra seja de muitos anos depois, ainda há grande proximidade com o Simbolismo, pelo seu estilo. Venham admirá-lo:

Cântico Negro (José Régio)

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços e, seguros,
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
Eu cruzo os braços
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos
A ir por aí...
Se vim ao mundo
Foi só para desflorar florestas virgens
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos
E tendes regras e tratados, e filósofos e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma e sangue e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou
É uma onda que se alevantou
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou
Não sei para onde vou
Mas sei que não vou por aí!

imagem

Coin Marketplace

STEEM 0.31
TRX 0.11
JST 0.034
BTC 65139.82
ETH 3206.69
USDT 1.00
SBD 4.16